Ser transgênero ou não binário não desqualifica uma pessoa para contratar um seguro. Atualmente, aproximadamente 1,9% da população brasileira* é composta por pessoas que não se identificam com seu gênero de nascimento.
Entretanto, o assunto ainda pode gerar dúvidas para algumas pessoas, inclusive por parte dos Corretores e Seguradoras, na hora de renovar ou preencher uma apólice com os dados do segurado.
O Provimento nº 73 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), publicado em junho de 2018, permite que transgêneros alterem prenome e gênero nos registros civis diretamente no cartório. Mas, se na hora da renovação ou durante a vigência do seguro, o segurado se identificar com outro gênero?
A mudança de gênero não deve impactar na contratação ou renovação do seguro. Entretanto, é importante que a pessoa já tenha retificado seu nome e gênero no cartório, Receita Federal e outros órgãos públicos.
O Decreto nº 8.727/2016 prevê que a administração pública federal direta, autárquica e fundacional deve respeitar o uso do nome social como forma de reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais.
Bianca Waks, mestre em Direitos Humanos e coordenadora de Pro Bono do escritório Mattos Filho, explicou que quando o registro civil permanece diferente do nome da pessoa na base de dados da Receita Federal, a própria pessoa precisa entrar em contato com o órgão para atualizar a sua situação cadastral.
Essa regularização é gratuita e também pode ser feita on-line. “Isso é importante ser feito porque o CPF da pessoa deve estar atualizado também”, pontuou Bianca.
Os sistemas das seguradoras vão checar diretamente na Receita Federal o número do CPF do segurado. Caso não esteja regularizado, a pessoa pode ter nome e gênero diferentes na apólice. “É uma situação super delicada.
A melhor saída é sempre conversar com a seguradora e tentar uma ajuda para que ela consiga fazer a alteração nos demais órgãos. Estamos em um país em que há bastante documentação, muitas coisas burocráticas. Menos que no passado, mas ainda temos.
E, de fato, não é nada fácil para uma pessoa trans com nome gênero retificado. Vai ter certo trabalho para fazer tudo. Mas, temos organizações que ajudam, passam orientação para as pessoas trans conseguirem fazer isso”, completou a advogada.
“Em resumo, não há no mercado de seguros uma citação de desrespeito ou até de não aceitação das pessoas trans. O que podemos ter são essas diferenças cadastrais, e isso efetivamente fica mais complexo para a seguradora resolver”, disse Bianca.
O que acontece é que o CPF do segurado vai para uma base, essas bases são atualizadas de forma on-line, verificadas junto a órgãos públicos, se o órgão público não estiver atualizado, a base também não será atualizada.
“A melhor forma é de conversar com a seguradora, mandar a documentação e ver onde a seguradora eventualmente enxergou dados conflitantes, dados diferentes. Com base nessa informação, fazer toda a atualização”, acrescentou.
No ponto de vista de Ana Paula Almeida Santos, advogada e conselheira do Idis – Instituto pela Diversidade e Inclusão no Setor de Seguros, as seguradoras, assim como todo o mercado, devem manter canais de relacionamento abertos sobre o tema.
Treinamento e constante atualização das equipes de atendimento são fundamentais. “Entendemos também que os Corretores, como representantes dos segurados, devem auxiliar nas interações com as seguradoras, buscando sempre o melhor atendimento ao segurado”, apontou.
Além disso, a conselheira revelou que esse assunto precisa ser mais abordado, não somente no mercado de seguros, mas na sociedade em geral. “Seria muito importante que os reguladores auxiliassem o setor nesta evolução e na construção de uma sociedade mais inclusiva. Susep e ANS poderiam, por exemplo, criar grupos de trabalho para conversar sobre normativas que apoiassem a sociedade”, pontuou.
Por fim, Ana Paula disse que a cada dia tornam-se mais importantes conversas honestas e abertas como de fato para incluir pessoas. “Ter todos os stakeholders unidos nesta conversa com certeza conduzirá o nosso setor no caminho correto, focado em fazer o que é certo”, finalizou.
*Fonte: Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Foram entrevistadas 6.000 pessoas em 129 municípios de todas as regiões do país.
Fonte: CQCS l Alícia Ribeiro